19/09/2025
Juízes dos tribunais federais são incapazes de sentir amor, mesmo quando lhes é mostrado o amor.
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Juízes dos tribunais federais são incapazes de sentir amor, mesmo quando lhes é mostrado o amor.
Dia 26 de agosto deste ano, os julgadores do Habeas Corpus coletivo da Associação Paz’cientes da Flor do Amor negaram provimento ao recurso RESE nº 1106426-96.2024.4.01.3400, protocolado pelos advogados Dra. Samantha Reis, Dr. Jadson Reis, Dr. Jamil Issy Neto e Dr. Matteus Jacarandá, que representam a Flor do Amor na esfera civil e penal.
A ação tramitou na Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, cuja presidente é a desembargadora Maria do Carmo, que julgou junto com os desembargadores Wilson Alves de Souza (relator) e Neviton Guedes (revisor).
Ressaltamos de início que a luta jurídica dos Paz’cientes da Flor do Amor é pelo reconhecimento do nosso direito à saúde, como um princípio fundamental dos direitos humanos, e pelo reconhecimento da nossa liberdade de uso da Maconha por seus conhecidos elementos medicinais e espirituais.
Do outro lado, enfrentamos um corpo jurídico de juízes, de desembargadores e de procuradores que desconsideram a responsabilidade que possuem com a reparação social que pesa sobre seus ombros.
Sabemos que a proibição da Maconha medicinal é um jogo sangrento que gera a morte de mulheres, homens, jovens e crianças e que também gera o enriquecimento ilícito de autoridades e de personalidades do nosso país.
Nos tribunais, enfrentamos um corpo jurídico que pune diariamente cidadãos que são oprimidos por leis oriundas da política coronelista do período escravagista colonial. Esses julgadores não demonstram estarem preocupados com a construção de caminhos mais justos para os brasileiros.
A Associação Paz’cientes da Flor do Amor é um organismo que trabalha com a Maconha medicinal de uma maneira positiva para a sociedade, gerando conhecimento, saúde e apoio social aos cidadãos brasileiros.
Durante a sessão da Terceira Turma, pudemos acompanhar o conteúdo dos votos dos juízes e percebemos que a decisão que nos diz respeito perpetua a opressão do povo brasileiro, em especial a opressão da cultura dos povos trazidos de Afrika.
A intolerância dos tribunais brasileiros com as temáticas vinculadas à cultura dos povos afrikanos trazidos para o Brasil é bem conhecida na história do nosso país. Podemos citar as tentativas de criminalização de religiões como a Umbanda e o Candomblé, assim como as tentativas de criminalização das práticas culturais como a capoeira.
A intolerância dos juízes fica explícita no enviesamento das decisões que envolvem processos jurídicos que buscam abrir caminhos para o fortalecimento institucional da Maconha medicinal no Brasil.
O relator do caso, desembargador Wilson Alves de Souza, alegou que a concessão do habeas corpus coletivo representaria uma “indevida substituição do Judiciário ao Legislativo”, ignorando o fato de que é justamente no vácuo da omissão legislativa que se espera que os tribunais atuem para garantir direitos fundamentais. Afirmou ainda que conceder tal salvo-conduto equivaleria a autorizar o cultivo e a distribuição da planta à revelia da lei, reforçando a lógica proibicionista que sufoca o debate sobre a regulamentação da Cannabis sativa medicinal.
Segundo ele, a atuação da Associação, ainda que com fins terapêuticos, não pode ser dissociada do atual enquadramento legal da planta como substância entorpecente. Sua fala revela a recusa da Justiça Federal em reconhecer as nuances sociais e culturais do uso da Maconha, desconsiderando a legitimidade da luta dos Paz’cientes.
Ressaltamos que, quando se trata da Maconha medicinal, devemos lembrar que foram os povos negros, vivendo em cativeiro, os que primeiro trouxeram as sementes da planta para o Brasil. Sabemos que na cultura afrikana a Maconha é uma erva medicinal há muito mais tempo que para os "ocidentais", e que as sementes dessa erva viajaram protegidas nas bocas dos escravos, acorrentados nos porões dos navios negreiros.
Essas histórias antigas são relevantes para compreender que, apesar das correntes terem se soltado dos nossos tornozelos, tentam manter a nossa mente presa até o presente momento. Desmerecem nossa luta pela paz, pela saúde e pelo bem-estar utilizando argumentos que legitimam a opressão do Estado aos Paz’cientes de Maconha medicinal.
Associações de Paz’cientes não são brechas para organizações criminosas. Sabemos que organizações criminosas buscam a ilegalidade e a obscuridade, e que as associações de Paz’cientes são organismos que estão continuamente se aproximando de instituições da sociedade civil e do Estado, buscando legitimar suas causas a partir de caminhos claros e verdadeiros.
Esclarecemos esse fato aos desembargadores que, durante seus votos, afirmaram que conceder habeas corpus aos cultivadores da Associação Flor do Amor abriria brechas para o fortalecimento do tráfico de drogas no país. Esse argumento expõe um raciocínio ardiloso que se vale do medo para negar um pedido legítimo, reproduzindo o mesmo controle histórico da população via força e repressão.
É o mesmo pensamento covarde que levou as elites brasileiras a proibir o uso da erva santa por medo das culturas afroindígenas associadas às práticas com a Maconha medicinal.
Para se proteger, a aristocracia brasileira manteve nossos ancestrais numa situação de fragilidade extrema, desestruturando famílias e causando danos às comunidades quilombolas, às aldeias indígenas e às comunidades tradicionais do Brasil.
Esses danos perduram até hoje, pois prejudicaram a transmissão cultural que se dá de pai para filho, de mãe para filha, gerando, muitas vezes, cidadãos que, ao crescerem, terão que fazer um resgate cultural de suas raízes, passando a reconhecer seus traços físicos, trejeitos de fala e condições espirituais, assim como plantas e animais que acompanham seu modo de vida.
Esses danos causados pela política opressora — da qual os tribunais federais são parte importante — podem ser observados na sociedade brasileira, principalmente nas diferenças existentes no acesso à saúde, à educação, ao trabalho digno e, sobretudo, ao próprio sistema de justiça.
Os julgadores não tiveram a capacidade de perceber a diferença entre nós — indivíduos que representam a parcela da população brasileira que busca acesso regulamentado à Maconha medicinal — e o crime organizado. Ou, ainda pior, se valeram desse argumento para reafirmar as práticas opressoras presentes no sistema judiciário democrático brasileiro.
Seja qual for a opção, o resultado do julgamento do recurso pela Terceira Turma do TRF1 explicita os limites desse tribunal para lidar com a Maconha medicinal de uma maneira que traga justiça social, respeito à diversidade da cultura brasileira e acesso à saúde de qualidade, direito fundamental dos seres humanos.
Temos plenas capacidades de demonstrar aos órgãos do Estado brasileiro que a Associação Paz’cientes da Flor do Amor possui um caminho seguro para avregulamentação e a introdução da Maconha medicinal na cultura social e agrícola do Brasil. Demonstramos uma forma de cultivo, de processamento e de acolhimento dos profissionais de saúde e dos Paz’cientes, fechando um ciclo que tem segurança no uso e efetividade no tratamento.
O serviço prestado com respeito à erva sagrada gera energia capaz de nutrir nosso país de recursos para lograr eliminar a pobreza e melhorar as condições da população brasileira.
O serviço que prestamos à Maconha medicinal continua. E, apesar de não termos esperança na justiça terrena, sabemos que todas as coisas na Terra obedecem a uma ordem divina.
Nossa esperança nessa força que organiza a vida e o mundo é infinita. Estamos aqui desde o princípio dos tempos e vamos seguir até o fim com nossas raízes e com nossa cultura vivas.
Texto: João Pimenta
Arte: Sonam Henry
Revisão: Alexandra Joffily, equipe jurídica da Flor do Amor